Reportagem do Correio Popular - Revista Metrópole de 19/2/2006 sobre o álcool. Texto rápido e bastante informativo sobre como o álcool é processado pelo organismo e alguns mitos sobre o seu consumo.
Tremenda ressaca (Correio Popular - Revista Metrópole - 19/2/2006)
Não inventaram nada para acabar com o mal-estar devastador do dia seguinte causado pela ingestão exagerada de álcool. Mas a dor de cabeça e outros desconfortos podem ser evitados com uma medida simples: beber com muita moderação
Maristela Tesserolimaristela@rac.com.br
A manhã já vai alta quando você se dá conta de que não dá mais para adiar a árdua tarefa de abrir os olhos. Que, por infortúnio, parecem suplicar pela escuridão total.
Sem se deixar abater, você encara a luta. Mas, quando a batalha com os olhos parece estar quase vencida, o mundo começa a rodar muito mais rapidamente do que as leis do universo deveriam permitir.
Nesse exato instante, você tem a nítida sensação de que o estômago desloca-se de seu lugar costumeiro e sobe perigosamente para a garganta, ameaçando atirar-se para fora.
Naquilo que parece ser um complô de seus órgãos internos contra você, vem juntar-se a boca, absurdamente seca. Como se tudo isso fosse pouco, sua cabeça vira, de súbito, alvo de milhares de marteladas simultâneas.
Tecnicamente, você é mais uma vítima de visalgia – do norueguês kveis (mal-estar após orgia) e do grego algia (dor).
Popularmente, você está mesmo é com uma tremenda ressaca, o mal-estar generalizado que reflete o turbilhão de reações complexas que ocorrem dentro de você numa brava tentativa do organismo de livrar-se da quantidade excessiva de álcool que seu bom senso bem que tentou – sem sucesso – evitar na noite anterior.
“Assim que o álcool entra no organismo, cerca de 15 a 20% dele é imediatamente absorvido no estômago e o restante, na parte alta do intestino delgado”, explica o médico Elson da Silva Lima, do Ambulatório de Substâncias Psicoativas (Aspa) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O que é absorvido passará várias vezes pelo fígado que vai tentar livrar-se da substância, alterando sua estrutura química. “Depois de passar por dois processos de metabolização no fígado, a partir das enzimas álcool-desidrogenase e aldeído-desidrogenase, 95% do álcool ingerido será decomposto em ácido acético que, finalmente, irá se transformar em água e gás carbônico. A água sairá normalmente pela urina e o gás carbônico, pela respiração”.
Os cerca de 5% restantes do álcool são eliminados, sem alterações, pelos pulmões, o que permite avaliar a quantidade de álcool proporcional no organismo, via bafômetro, mesmo horas depois de sua ingestão.
“Portanto, se você bebeu bastante durante três horas, por exemplo, entre as 21h e as 24h da noite anterior, no dia seguinte, às 9h da manhã, um teste de bafômetro ainda revelaria a presença de alguma quantidade de álcool no organismo”, ressalta o médico, que também é um dos coordenadores do Programa Viva Mais da Universidade, atuando na prevenção do alcoolismo e do tabagismo.
Dos fios de cabelo aos dedos dos pés
Assim, enquanto o processo completo de metabolização não ocorre, o álcool vai percorrendo todo o organismo. Poderosa, a substância penetra, principalmente, no sistema nervoso central e por todo o organismo, dos fios de cabelo até os dedos dos pés. E, em alguns pontos, provoca “estragos” bem visíveis. Ou melhor, bem sentidos, especialmente no dia seguinte.
O álcool age, por exemplo, como um diurético e faz com que o corpo perca muita água, podendo, por isso, levar a uma desidratação.
A substância traz conseqüências também para o aparelho digestivo, irritando a parede do estômago e dos intestinos, em especial se o estômago estiver vazio. O excesso de álcool afeta igualmente o pâncreas, podendo levar a uma pancreatite aguda, e interfere no funcionamento da vesícula biliar. Daí os sintomas desagradáveis de náusea, mal-estar geral e a dor na região do estômago.
O álcool traz também conseqüências para a qualidade do sono. Apesar do efeito sedativo que leva o “bebum” a conseguir dormir até no meio do salão do clube, há uma diminuição da fase de sono profundo e das horas totais de sono. Portanto, uma noite de sono alcoolizado não faz ninguém acordar bem disposto no dia seguinte.
A boa notícia é que, em geral, o organismo consegue eliminar as pequenas quantidades ingeridas de bebida alcoólica algumas horas depois.
Mas até que isso aconteça, ainda não inventaram absolutamente nada capaz de coibir o efeito do álcool ou evitar a ressaca do dia seguinte. E mais: a ciência ainda não tem qualquer parâmetro para determinar qual é a quantidade máxima suportável para cada pessoa.
“Cada um tem seu próprio limite de tolerância ao álcool. O que se sabe é que o limite de cada pessoa tem estreita relação com sua massa corporal e o intervalo de tempo entre um copo e outro. Grandes quantidades ingeridas em curtos intervalos de tempo por pessoas com pouca massa corporal, provavelmente provocarão uma embriaguez mais rápida”, explica Elson. “E, apesar de cada organismo responder de uma maneira diferente ao álcool, o excesso de bebida invariavelmente levará à ressaca”.
Entre mitos e verdades
O Carnaval está aí. Difícil evitar a bebida? “OK. Ninguém está pregando a abstinência total”, defende o médico Elson Lima. “A recomendação é a de que as pessoas prestem atenção às quantidades que bebem para que não se exponham a uma série de riscos desnecessários e não se fiem em ‘receitas’ que prometam evitar o porre ou diminuir a ressaca. A única recomendação confiável para evitar colocar-se em risco é que se beba com moderação”.
Convidado por Metrópole, o médico Elson Lima fala sobre algumas crenças e desfaz alguns mitos sobre a ressaca.
Ingerir água, azeite ou detergente antes de começar a beber evita que a pessoa fique bêbada.
Bobagem completa em relação ao azeite e, especialmente, em relação ao detergente. Talvez o mito tenha surgido por conta do fato de que a água, de fato, retarda o efeito do álcool no organismo por diluí-lo. Durante a ressaca, a água também ajuda na hidratação do organismo normalmente desidratado de quem “enfiou o pé na jaca”. Portanto, água é ótima. Mas não evita o porre. No máximo, retarda-o.
Tomar medicamentos à base do hidróxido de alumínio antes de começar a beber evita o pileque.
Outro mito. O hidróxido de alumínio, presente em medicamentos populares contra ressaca como o Engov, tem a propriedade de formar uma camada protetora nas paredes do estômago, fazendo com que o álcool seja absorvido mais lentamente. Não há medicamento, entretanto, que resista a quantidades excessivas de álcool.
Café e bebidas à base de cola cortam o efeito do álcool.
Nenhuma substância, contendo cafeína ou não, consegue interromper o processo de absorção do álcool pelo organismo. Bebeu demais? Você estará alcoolizado pelas próximas horas. Com ou sem café.
Bebidas de boa qualidade não dão ressaca.
Dão sim. Até uísque escocês ingerido em grande quantidade provoca ressaca. O mito talvez decorra do fato de que, em bebidas de qualidade inferior, além do álcool, há algumas outras substâncias tóxicas ao organismo, como o metanol, que ajudam a acelerar e a maximizar os efeitos desagradáveis.
Beber com o estômago cheio ajuda a retardar os efeitos do álcool no organismo.
Verdade das mais verdadeiras. Além de diminuir a velocidade com que o álcool é absorvido, a comida fornece ao organismo um bom suprimento de glicose. Como o álcool costuma comprometer o funcionamento do fígado e, conseqüentemente, a metabolização da glicose, é comum os bêbados, especialmente os adolescentes, apresentarem crises de hipoglicemia – baixas taxas de açúcar no sangue, quando intoxicados pelo álcool. Portanto, estômago cheio adia o porre, sim. Mas não o evita!
Colocar o bêbado debaixo do chuveiro faz com que o efeito do álcool passe.
Como já se sabe, nada corta o efeito do álcool. A chuveirada, talvez por minimizar o torpor do alcoolizado, dê a falsa sensação de que o efeito do álcool desapareceu. Mas não se engane. O que existe ali é apenas um bêbado desperto.
“Quer evitar ressaca? Mantenha-se bêbado”.
A frase é famosa, mas completamente furada. Começar a beber novamente para amenizar os efeitos da ressaca é atitude que, além de não cortar ressaca, ainda pode ser um indício de dependência da bebida. Portanto, o conhecido “fogo de encontro” não resolve nada. O mito talvez esteja ligado ao processo de metabolização do álcool pelo organismo. Os nomes são meio complicados, mas vale a pena saber que, na primeira fase de metabolização no fígado (a álcool-desidrogenase), o álcool se transforma em uma substância chamada acetaldeído para, em seguida, sofrer a ação da aldeído-desidrogenase, transformando-se, finalmente, em ácido acético e, daí, em água e gás carbônico que serão expelidas pelo corpo. Acontece, entretanto, que essa substância intermediária, o acetaldeído, é tóxica e lesiva para o fígado e para o sistema nervoso central. É essa substância que provoca o mal-estar generalizado do dia seguinte ao da bebedeira. Assim, quando os sintomas começam a surgir, isso significa que o álcool já está sendo metabolizado pelo organismo e o acetaldeído, que por algum motivo não foi totalmente metabolizado, começou a circular por mais tempo. Para não sentir esses efeitos, a pessoa volta a beber achando que, com isso, evitará a ressaca. Mas isso só levará a um agravamento do mal-estar. Ou seja, da enxaqueca, da náusea e dos outros sintomas.
Doses de sal e doses de açúcar ajudam a pessoa a se recuperar da bebedeira.
Só se forem misturados à água e açúcar para se transformarem em soro caseiro. Ainda assim, não ajudam ninguém a se recuperar da bebedeira, mas, sim, da ressaca, estágio em que a pessoa, normalmente, já perdeu muito líquido por conta do efeito diurético do álcool e precisa de hidratação.
Misturar marcas de cerveja acelera o “pifão”.
Bobagem completa. O que importa é a quantidade de álcool e a velocidade com que as bebidas são ingeridas e não sua marca.
Induzir o vômito depois de uma bebedeira reduz o teor de álcool do organismo a
ponto de a pessoa voltar a seu estado normal.
Bobagem das feias. Quando alguém percebe que está bêbado, isso é sinal de que o organismo já começou a metabolizar o álcool e ele já caiu na corrente sangüínea. Assim, o vômito talvez evite um porre ainda maior ao expelir a bebida que ainda esteja no estômago, mas não fará com que a pessoa elimine o álcool que já circula pelo seu sangue.
Durante a ressaca, é preciso ingerir comidas leves.
Vovó tinha razão e canja de galinha pode ser ótima em casos de bebedeira. A sopinha não cura a ressaca, mas é a melhor opção para que o “bebum” nem sonhe em ingerir comidas pesadas, cheias de gordura que exijam trabalho pesado do fígado e da vesícula biliar, órgãos que, durante a ressaca, já estão suficientemente sobrecarregados tentando metabolizar os excessos do álcool.
Homens são mais “fortes” para beber do que as mulheres.
Há um fundo de verdade nisso. Além de, geralmente, possuírem maior massa corporal do que as mulheres, os homens têm, já no estômago, a enzima aldeído-desidrogenase (ALDH), envolvida diretamente no processo de metabolização do álcool. Já as mulheres também possuem essa enzima, mas apenas no fígado. Ou seja, quando a bebida cai no estômago, cerca de 20% do álcool é absorvido diretamente pelo órgão e cai na corrente sangüínea sem sofrer qualquer tipo de metabolização.
Bebidas fermentadas têm teores de álcool menores do que os destilados. Portanto, cervejas e afins dão menos porre do que uísque ou vodca.
A idéia está correta. O problema é que os bebedores de cerveja nunca se dão conta de que na décima latinha já ingeriram a mesma quantidade de álcool presente em cerca de 350 ml de destilado, ou seja, já tomaram quase o equivalente a meia garrafa de uma bebida destilada que contenha 40% de álcool. O porre – e a ressaca – também serão equivalentes, portanto.
Misturar bebidas faz a pessoa ficar bêbada mais rapidamente.
A mistura de bebidas em si não faz ninguém ficar bêbado mais ou menos rapidamente. O que acontece é que os bebedores, normalmente, começam a noite na cervejinha, tomando, por exemplo, um copo a cada quinze minutos. Depois de muitas tulipas, eles resolvem passar para a caipirinha ou para o uísque e continuam no mesmo ritmo, tomando um copo a cada quinze minutos. Duas coisas ocorrem, então, simultaneamente. Dilatado pela bebida fermentada, o estômago apresenta uma área maior de absorção e, portanto, o álcool pode cair mais rapidamente na corrente sangüínea. Além disso, depois de alguns copos de bebida, a pessoa começa a perder sua noção de limite e ingere o destilado na mesma velocidade com que vinha tomando o fermentado. Como os teores de álcool dos destilados são maiores, a embriaguez acaba se instalando rapidamente.
Nossa fonte
Elson da Silva Lima, médico, Coordenador do Programa Viva Mais da Unicamp e colaborador do Ambulatório de Substâncias Psicoativas (ASPA), do Departamento de Psiquiatria da Unicamp, f. 3788-7514, e-mail: elsonl@reitoria.unicamp.br.
Site do Programa Viva Mais: www.prdu.unicamp.br/vivamais
sábado, setembro 09, 2006
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Um comentário:
Achei otimo tirei muitas duvidas que me falavam.
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